
Liturgia em Três Graus: Solenidades, Festas e Memórias na Vida da Igreja
A Sagrada Liturgia, “obra do Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja” (Sacrosanctum Concilium, n. 7), ordena-se segundo uma hierarquia de celebrações que exprime a centralidade dos mistérios da redenção e o culto tributado à Bem-Aventurada Virgem Maria, aos Apóstolos e aos demais santos. O Calendário Romano Geral classifica tais celebrações em três graus principais: solenidades, festas e memórias, segundo normas codificadas na Instrução Geral do Missal Romano (IGMR) e nas Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário.
Tal ordenação manifesta a pedagogia litúrgica da Igreja e a sua fidelidade à tradição apostólica, conforme expressa a Constituição Sacrosanctum Concilium (CONCÍLIO VATICANO II, 1963, n. 102-111).
Solenidades: o ápice das celebrações litúrgicas
As solenidades são as celebrações de maior grau dentro do calendário litúrgico, marcadas por um caráter festivo e teológico singular, pois atualizam na assembleia cristã os mistérios centrais da fé. Nelas, a Igreja celebra, sobretudo, os acontecimentos que dizem respeito diretamente à obra da salvação realizada por Cristo, bem como os privilégios de Maria Santíssima e as festas principais dos santos de maior relevância para a história da salvação.
Do ponto de vista litúrgico, as solenidades se distinguem por elementos como: a celebração das I Vésperas na tarde precedente, a recitação do Glória e do Credo na Missa e a utilização de três leituras bíblicas. Essas características visam destacar a solenidade e a plenitude do mistério celebrado. Exemplos paradigmáticos são a Solenidade do Natal do Senhor (25 de dezembro) e a Solenidade da Páscoa da Ressurreição.

Segundo as Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário (NALC, n. 11-12), quando uma solenidade coincide com um domingo ou com outra solenidade, prevalece a de maior importância, conforme estabelecido na tabela das precedências litúrgicas.
Exemplos: Solenidade da Páscoa da Ressurreição do Senhor, Solenidade do Natal, Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria, Solenidade de Todos os Santos.
Festas: celebrações de dignidade elevada

As festas ocupam um segundo nível na hierarquia litúrgica. São celebrações dedicadas a mistérios importantes da vida de Cristo (como a Festa da Transfiguração do Senhor) ou a manifestações específicas da ação de Deus na história da salvação. Também se incluem aqui as festas de santos que possuem uma relevância particular para a Igreja universal, como os apóstolos e evangelistas (NALC, 2002, n. 13).
Na estrutura ritual, as festas não possuem I Vésperas (com exceção daquelas que recaem no domingo) e incluem o Glória na Missa, mas omitem o Credo, salvo se coincidirem com um domingo (IGMR, 2002, n. 355). A Liturgia das Horas, nestes dias, conserva o Ofício próprio da festa, com hinos e antífonas específicos.
Assim, as festas constituem celebrações de dignidade elevada, mas subordinadas às solenidades, refletindo a graduação das manifestações litúrgicas da fé (NALC, 2002, n. 13).
Exemplos: Festa da Transfiguração do Senhor, Festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, Festa da Apresentação do Senhor, Festa dos Santos Apóstolos, Festas de devoção Mariana.
Vale salientar, que algumas datas dedicadas à Maria, são elevadas a Solenidades. Este grau conferido à Maria está em: Santa Maria Mãe de Deus, 1º dia de janeiro, a Anunciação do Senhor, 25 de março, a Assunção da Virgem Santa Maria, 15 de agosto, a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, 8 de dezembro.
Além deste rol, para nós, o título de Nossa Senhora Aparecida, concedido à Maria, também é uma Solenidade, em razão de ser a padroeira de nossa Arquidiocese e a nossa Catedral ser dedicada a ela.
Neste sentido, São Paulo VI, no seu Motu Próprio Mistério Pascal, de 14 de fevereiro de 1969, nos deixa que, “o Calendário romano geral não regista todas as celebrações de conteúdo mariano: é aos calendários particulares que compete recolher, com fidelidade as normas litúrgicas mas também com cordial adesão, as festas marianas próprias das diversas Igrejas locais”.
Memórias: expressão da comunhão dos santos
As memórias são celebrações que recordam a vida e o testemunho de santos e santas, bem como determinados aspectos do mistério de Cristo ou da Virgem Maria. Elas se subdividem em memórias obrigatórias, que devem ser celebradas por toda a Igreja ou por determinada comunidade, e memórias facultativas, cuja celebração fica ao critério do sacerdote ou da comunidade local (NALC, 2002, n. 14).
A estrutura litúrgica das memórias é mais simples: não se recita o Glória nem o Credo; utiliza-se o formulário próprio ou comum, conforme a orientação do Missal Romano e da Liturgia das Horas (IGMR, 2002, n. 355). No entanto, mesmo em sua sobriedade, as memórias mantêm um caráter profundamente eclesial, pois manifestam a comunhão dos santos e oferecem ao povo de Deus modelos de santidade e intercessores junto a Deus.
Como destaca o Catecismo da Igreja Católica: “Na celebração do ciclo anual dos mistérios de Cristo, a Igreja venera com especial amor a Bem-Aventurada Mãe de Deus e propõe à piedade dos fiéis as memórias dos mártires e outros santos” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1997, n. 1172).
Exemplos: Memória obrigatória de Santa Teresa de Jesus (15 de outubro), Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, a celebrar todos os anos na Segunda-feira depois de Pentecostes, Nossa Senhora do Carmo, 16 de julho, a Virgem Santa Maria, Rainha, 22 de agosto, Nossa Senhora das Dores, 15 de setembro, Nossa Senhora do Rosário, 7 de outubro, a Apresentação de Nossa Senhora, 21 de novembro. Já são consideradas como memória facultativa de São João da Cruz (14 de dezembro), Coração Imaculado de Maria, sábado após a solenidade do Sagrado Coração de Jesus, a Dedicação da Basílica de Sta. Maria Maior, 5 de agosto e, o Santíssimo Nome de Maria, 12 de setembro.

Portanto, a diferenciação entre solenidades, festas e memórias é expressão da organicidade e da riqueza do ano litúrgico, que, segundo a pedagogia da Igreja, ordena e celebra os mistérios da fé cristã em gradações que facilitam a sua assimilação espiritual e eclesial (CONCÍLIO VATICANO II, 1963, n. 109). Esta estrutura ritual não apenas regula as celebrações, mas propicia um itinerário espiritual que educa e santifica os fiéis ao longo do tempo.
Confira alguns registros de Solenidades, Festas e Memórias, aqui da Catedral, na nossa seção de Eventos!
Referências consultadas
Concílio Vaticano II
Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia (4 de dezembro de 1963), especialmente os números 7 e 61.
Missale Romanum
Instrução Geral do Missal Romano (IGMR), especialmente os números 352 e 355, que tratam das normas litúrgicas relativas às celebrações.
Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário
Documento anexo ao Missal Romano, que estabelece as categorias e prioridades das celebrações litúrgicas. Especial atenção aos números 14, 16 e 17.
Calendário Romano Geral
Instrumento oficial que disciplina as datas das solenidades, festas e memórias no âmbito da Igreja universal.
Catecismo da Igreja Católica.
Especialmente os números 1066-1075, que tratam da Liturgia como obra da Santíssima Trindade e da Igreja, e os números sobre o Ano Litúrgico (1163-1171).
Código de Direito Canônico
Cânones relativos à disciplina litúrgica e à ordenação das celebrações (Cân. 1246-1248).
Ordo Celebrationis Missae e Ordo Lectionum Missae.
Normativas que orientam a celebração da Missa e a disposição das leituras conforme o ciclo litúrgico e a hierarquia das celebrações.